Fluxo turístico está a transformar cidade do Alto Minho. Nova dinâmica económica explicada com património cultural, proximidade ao Porto e relevância dos Caminhos de Santiago Património cultural e arquitetónico de Viana do Castelo é um dos trunfos da cidade para ser cada vez mais atrativa
Quando, há 20 anos, o velho navio-hospital da frota bacalhoeira portuguesa Gil Eannes chegou a Viana do Castelo, resgatado da sucata, para ser transformado em museu, a cidade estava longe de ser o que é hoje: cosmopolita, arejada e procurada por turistas, oriundos dos mais diversos pontos do Globo. Todo o ano.
A embarcação tornou-se num ícone turístico, que não pára de bater recordes de visitas. Entre 1998 e 2018, foi visitada por cerca de um milhão de pessoas. E muitos forasteiros chegaram fora da época alta.
Esbateu-se, assim, a antiga sazonalidade que votava Viana à sorte de ter de esperar uma grande parte do ano pela fartura dos poucos meses quentes e principalmente do agosto da Romaria d’Agonia, e surgiu uma nova realidade com a chegada de “um turista diversificado, eclético e de todo o ano”.
Espanhóis, brasileiros, franceses, ingleses e alemães, principalmente, mas também o turista nacional, parecem estar a descobrir no mapa a cidade minhota. A proximidade do Porto (80 quilómetros), quê vive uma época áurea em termos turísticos e a febre do caminho português de Santiago, com cada vez mais caminhantes, podem estar a contribuir para essa descoberta.
O número de-dormidas nas unidades hoteleiras da cidade passou, nos últimos dois anos, de cerca de 159 mil para 175 mil. E a tendência é para continuar a subir. Os mercados com maior incremento, segundo as estatísticas mais recentes publicadas pelo INE, foram a Espanha (+27%) e a França (mais 13%) e a Alemanha (mais 3,6%). O mercado nacional cresceu 16%, – A reboque deste impulso nos fluxos turísticos, a atividade económica em Viana deu um salto e a sua pujança contrasta, pela positiva, com a de finais do século XX. “O que estamos a sentir em Viana do Castelo é um crescimento no turismo que já está na ordem dos 27% em relação aos anos anteriores e que se tem vindo a traduzir não só no aumento no número de visitantes, mas inclusivamente na sua distribuição ao longo do ano”, afirma a vereadora da Cultura da Câmara de Viana do Castelo, Maria José Guerreiro. “É extraordinário porque, até há quatro anos, falávamos de sazonalidade, da época alta e da época baixa do turismo, e neste momento isso já não é assim.
Estamos a entrar numa outra fase, em que o turista procura a região por aquilo que ela vale”.
Meses extraordinários
Cultura, desporto, lazer e pedestrianismo são as áreas mais valorizadas por quem procura a região, quando “até agora estavam um pouco esquecidas, relegadas para segundo plano, surgindo o sol e praia como grandes protagonistas”. “Em 2017, os meses de outubro e novembro foram meses extraordinários”, avança Maria José Guerreiro, destacando “um crescendo na procura de trilhos pedestres, de um turismo cultural pelas rotas do românico e do barroco e as procuras que cada vez mais chegam dos países do Norte, pelo turismo de natureza e de desportos náuticos, principalmente do surf, da canoagem e da vela, que se tem vindo a desenvolver exponencialmente”.
Fruto desta nova dinâmica, o município de Viana do Castelo tem tido a preocupação de proporcionar “eventos ao longo do ano”. “Estamos a preparar uma programação no sentido de acompanhar
esses novos turistas que nos chegam”. disse aquela vereadora, considerando: “A industria turística é fundamental para o desenvolvimento da nossa economia e até já estamos a prever algumas situações que possam trazer alguns excessos. Estamos felizmente a ter isso em consideração”.
Ester Gomez, espanhola natural de Oviedo, vive há 30 anos em Viana do Castelo e trabalha na receção de um museu. Traça bem o retrato, do antes e do depois da cidade, que a acolheu por casamento com um português: “Viana era muito parada. Deu uma volta de 180 graus.
Quando vim para cá, estava habituada a uma vida muito mais movimentada em Espanha e cheguei cá às seis ou sete da tarde, não havia ninguém na rua. Felizmente hoje é uma cidade com muita vida”. Destaca a presença de cada vez mais turistas de várias nacionalidades, como os italianos, que “antes nunca se viam”. “Há muito brasileiro, muito espanhol, ingleses sem conta e franceses. Inclusive, muita gente que está a dormir no Porto vem passar um dia a Viana do Castelo. Não querem ir embora sem vir a Viana”, comenta, adiantando ainda que “os Caminhos de Santiago também têm trazido muita gente para cá”.
Um dos fatores mais marcantes da nova fase que aquela cidade atravessa traduz-se num significativo incremento na atividade económica. Atualmente, segundo a Confederação Empresarial do Alto Minho (CEVAL), estão em atividade no Centro Histórico 891 estabelecimentos, sendo que 65 por cento são comércio de retalho, 20 por cento alojamento, restauração e pastelarias e 15 por cento de serviços. E em 2016, registou-se um incremento empresarial, com a criação de 240 novas empresas no município, o que, no contexto da Região Norte, dará a Viana um peso de 37,3 por cento.
“O que é visível é que temos claramente um aumento do número de visitantes. Os dados que temos dos hotéis também indicam que há um aumento das pernoitas e isso tem-se refletido muito na atividade comercial”, afirma Luís Ceia, presidente da Ceval e da Associação Empresarial de Viana do Castelo, referindo que cresceram “o comércio, os serviços e principalmente a restauração, bares e cafetarias, que têm tido um assinalável êxito”.
“Nos últimos tempos apareceram novas unidades com muita qualidade, quer ao nivel de instalações quer de serviço e do próprio produto que comercializam. Há uma oferta diferente no sentido de agradar e reter o visitante”, assinala aquele responsável, indicando que o objetivo do tecido comercial da zona urbana passa, atualmente, por “fazer com que os que visitam a cidade fiquem mais tempo, que os que já ficavam fiquem mais dias, e os que iam e vinham, principalmente os espanhóis, acabem por experimentar e ficar pelo menos uma noite”.
Unidades de hotelaria, restauração, serviços de alimentação e bebidas é o que mais prolifera na cidade, embora as lojas de souvenirs e produtos tradicionais também já vão vingando. João Costa abriu há seis anos uma loja de recordações lusas. mesmo ao lado do Museu do Traje, na Praça da República. “Cada vez vêm mais turistas. Aparece de tudo: espanhóis, franceses, alemães. Procuram tudo o que diga Viana, Bracelos e Portugal”. diz o empresário, que vende desde aventais com dizeres turísticos a galos de Barcelos.
“Há aqui uma relação direta entre o aumento de visitantes e turistas, e o número e tipo de estabelecimentos”, considera Luís Ceia, concluindo: “Viana é hoje uma cidade mais dinâmica economicamente e o contributo do turismo tem sido fortíssimo, além do da indústria, que está a trazer novos residentes com poder de compra”.
Sara Fernandes. é proprietária do mais recente hostel, o Maçã de Eva, inaugurado na Zona Histórica de (dezembro 2017) e justifica o investimento como potencial da cidade.
“Os indicadores são animadores e eu própria vivo cá e vejo muito mais movimento, mesmo na época mais baixa.
Tudo isso. aliado ao meu gosto nesta área, impulsionou este projeto”, afirma, referindo que naquela unidade os principais clientes até agora “são espanhóis e franceses”.
“Já tenho reservas para o verão, de ingleses e alemães”, acrescenta.
Segundo o administrador da Fundação Gil Eannes, mandante Lomba da Costa, a embarcação-museu que está sob alçada daquela organização constitui “um recurso turístico de Viana do Castelo”.
“Apercebemo-nos que muitas pessoas vêm a Viana para ver o ‘Gil Eannes’. Sabem que ele existe e querem visitá-lo”. defende, adiantando: “Em dois anos, de finais de 2015 até ao fim de 2017, duplicamos o. número de visitantes, e nos diversos estratos. Quer em termos de visitantes nacionais quer estrangeiros. Aliás, o incremento de visitantes estrangeiros foi superior”.
“Neste momento, os espanhóis conseguem ser o maior número, mas temos um incremento muito grande de franceses e de brasileiros nos últimos anos. Depois temos os ingleses e os alemães. Recebemos visitantes de praticamente todo o Mundo”, descreve.
No ano passado, passaram por aquele navio 85 mil pessoas. E o comandante Lomba da Costa interpreta aquele “número recorde”: “É reflexo do crescimento de turistas que em termos gerais há na cidade e também do que se passa no pais. O ambiente e o espírito das pessoas é outro. Estou convencido de que Viana hoje já não é a mesma”.
Emblema da cidade é, também, o templo de Santa, Luzia, que continua a somar recordes em termos de visitas.
O funicular que liga a cidade ao alto do monte registou no ano passado mais 10% de passageiros por comparação com o ano anterior (139 729 utilizações contra 126 752 de 2016).
Desde a sua entrada em funcionamento, o elevador já transportou cerca de um milhão de pessoas. Cesarina Perra, gestora da Confraria de Santa Luzia, responsável pelo santuário, corrobora: “Introduzimos um sistema de contagem dentro do templo e apercebe-mo-nos que o número de visitantes tem aumentado substancialmente. Em 2017 tivemos cerca de 400 mil visitantes dentro do templo.
Por comparação com o passado, embora sem este equipamento de contagem. nota-se que a vinda a Santa Luzia é cada vez maior”.
“Pela informação que nos vai chegando dos postos de turismo a nível nacional, é que para o turista Viana do Castelo é Santa Luzia obrigatoriamente”, declarou, destacando: “Temos tido visitas de brasileiros, mexicanos, tailandeses, japoneses e cada vez mais de outro tipo de culturas”.•
“É uma cidade a ter em conta no turismo nacional”
Nuno Barbosa, coordenador do posto de turismo de Viana do Castelo, é o exemplo vivo das transformações sentidas na cidade na última década.
Ambição ainda pode ser maior
Como chegou a coordenador do Posto Municipal de Turismo de Viana?
Vim há 20 anos de Torre de Moncorvo para fazer o curso de Turismo do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Na altura, era muito falado por ser um dos cursos mais reputados e foi a minha primeira opção. Entre Viana e o Algarve, optei por vir para cá e apaixonei-me pela cidade.
Fiz a licenciatura e estive ligado a vários projetos. Depois, em 2005 ou 2006, calcei as botas de empreendedor e o presidente da Câmara da altura, Defensor Moura, quis implementar o projeto que eu tinha com mais dois licenciados. o Hugo Meira e o João Sousa (empresa de promoção e animação turística Viv’Experiência).
Havia um espaço disponível, que é onde hoje está o Posto Municipal de Turismo (Viana Welcome Center) e em 2007 começamos a trabalhar, em plena Festa d’Agonia. Abrimos o posto pouco antes da festa e foi uma loucura. Viana mudou muito deste então?
Viana não é a mesma cidade. De todo. Está completamente transformada.
Comas intervenções na zona urbana do programa Polis e do município. viu-se surgir uma nova Viana. Fizeram dela unia cidade a ter em conta no turismo nacional. Não só pela sua autenticidade, mas também pela riqueza do património e de tudo o que apresenta a quem a visita. E depois acontece o ultrapassar. da crise e a retoma económica por via também do turismo. O Gil Eannes é hoje um dos museus mais visitados do Norte e os museus da cidade apresentaram em 2017 números recorde, com cerca de mil visitantes.
A partir de quando é que se começa a sentir o aumento do turismo?
Quando o nosso projeto arrancou, registámos números no posto de turismo a rondar os 25 mil. Depois subiu para 27 mil. entretanto, em plena crise, baixou para 18 mil, e a partir de 2010 até hoje os números não pararam de crescer. E atenção que os números do posto de turismo não refletem a quantidade de pessoas que visitam a cidade, porque muitas não passam no posto. Os últimos registos apontam para 65 mil visitantes e este ano que passou estaremos a falar de números muito próximos dos 70 mil.
Viana está preparada para receber bem estes fluxos turísticos?
Os turistas queixam-se, às vezes, da falta de adaptação de horários, de algumas infraestruturas ou deficiência na sinaletica. As necessidades mudaram e têm de ser colmatadas, para Viana estar à altura de corresponder ao aumento brutal que houve na procura.
O Porto e Norte avançaram com as lojas de turismo e Viana do Castelo, ao longo destes quase 11 anos, em que nós estamos a gerir o Viana Welcome Center, acabou por nunca investir no posto. •
HÁ 71 ANOS A FAZER FOTOGRAFIAS “À LA MINUTA”
Manuel Gonçalves faz fotografias “à la minuta” em Santa Luzia há 71 anos. Herdou o ofício do pai. O ritual da foto à moda antiga é uma das atrações turísticas típicas para quem visita aquele santuário. Segundo o antigo fotógrafo, há ainda muito quem continue a gostar de levar uma fotografia de recordação, a preto e branco, com o templo em fundo. “Quieto, sorriso, já está”, é assim que Manuel comanda os clientes, em vez do clássico “olhó passarinho”, e o resultado aparece dali a uns sete minutos. Primeiro, sai o negativo, que é fotografado, e depois lá aparece a foto final, que é lavada cuidadosamente no líquido de revelação até ficar nítida. “Cada vez vem mais gente. Nota-se bem a diferença.
Antigamente, não havia aqui carros nenhuns. As pessoas vinham no elevador e era pouca coisa. Agora é gente aqui todos os dias”, conta Manuel, para concluir: “Vêm muitos estrangeiros, mas trabalho mais com os portugueses. São os que apreciam mais este trabalho. Acham graça”.
DESDE MIÚDO QUE VENDE BONECOS “MANEL” E “MARIA”
Mário Lima vende os tradicionais “Manei” e “Maria”, bonecos feitos à mão de lã colorida, vendidos junto ao templo de Santa Luzia em Viana, e que os turistas, desde sempre, gostam de levar como recordação. “lá os vendo desde miúdo, há uns 35 anos, mas a minha mãe também os vendia. Isto é tudo manual, são senhoras antigas que os continuam a fazer com lã e jornal”, conta, referindo que quem mais compra o típico casal é o português. “As pessoas do Sul gostam de levar uma recordação do Minho, mas o espanhol, o brasileiro e o francês também levam”, disse, referindo que “cada vez há mais gente e de mais nacionalidades” a subir a Santa Luzia. Da galeria dos famosos, já levaram “Manuel” e “Maria” do Mário as brasileiras Fafá de Belém e Glória Pires, o empresário de futebol Jorge Mendes e o músico Pedro Abrunhosa.
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