O ministro das Finanças e o ministro da Economia apresentaram esta quarta-feira, 18 de março, medidas que visam mitigar as consequências económicas do novo coronavírus, “que sabemos que serão fortes para famílias e empresas”. Em causa estão novas linhas de crédito para as empresas e uma flexibilização do pagamento de impostos e de contribuições sociais.
“É tempo de pensar em iniciativas para tentar conter e tratar a doença, mas também é a hora de garantir o apoio à liquidez das empresas, particularmente das pequenas e médias empresas, e o apoio aos trabalhadores e famílias que já hoje sentem o impacto das medidas adotadas [para combater o surto]”, disse Mário Centeno.
“O governo encontra-se fortemente empenhado em adotar todas as medidas que se mostrem necessárias para combater esta pandemia e para fazer face às suas consequências”, começou por garantir o ministro das Finanças, acrescentando que o Executivo está consciente de que estas consequências “serão fortes para famílias e empresas”.
Os esforços nacionais “têm andado de mãos dadas” com as iniciativas europeias para conter o coronavírus, disse o ministro.
As medidas que o governo agora anuncia visam três áreas: a das garantias públicas, do sistema bancário e a flexibilização das obrigações fiscais.
Linhas de crédito
Tomando a palavra, o ministro da Economia, anunciou linhas de crédito destinadas às empresas que, no seu conjunto, “alavancam o crédito disponível no valor de três mil milhões de euros”.
Assim, Pedro Siza Vieira anunciou que:
— Para a restauração e similares será disponibilizada uma linha de crédito de 600 milhões de euros, dos quais 270 milhões são para micro e pequenas empresas;
— Para o setor do turismo, nomeadamente para agências de viagem, animação e organização de eventos, será disponibilizada uma linha de crédito de 200 milhões de euros, 75 milhões dos quais destinados a micro e pequenas empresas;
— Para empresas de turismo, mas no setor do alojamento, será disponibilizada uma linha de crédito no valor de 900 milhões de euros, dos quais 300 milhões são para micro e pequenas empresas;
— Para o setor da indústria, nomeadamente têxtil, calçado e indústria extrativa, será disponibilizada uma linha de crédito de 1300 milhões de euros, dos quais 400 milhões de euros são destinados especificamente às micro e pequenas empresas.
Estas linhas de crédito têm um período de carência até ao final do ano e podem ser amortizadas em quatro anos, referiu Pedro Siza Vieira.
O ministro anunciou ainda que a linha de 200 milhões de euros anteriormente anunciada de apoio às empresas será revista e flexibilizada nas suas condições de acesso. Da mesma forma, o governo anunciará em breve medidas de flexibilização das obrigações das empresas perante as administração pública, seja ao nível de procedimentos administrativos, seja ao nível de certificações, para “assegurar que as empresas se concentram no essencial”.
As medidas agora anunciadas somam-se às que já tinham sido comunicadas no final da semana passada, designadamente “no que se refere à aceleração dos pagamentos no âmbito do sistema de incentivos por via de mecanismos de adiantamentos e também a moratória até 30 de setembro de todos os compromissos de reembolso dos incentivos reembolsáveis recebidos ao abrigo do QREN e do PT2020”.
Banca
As empresas vão ter a acesso a uma moratória, concedida pela banca, no pagamento de capital e juros.
Em conferência de imprensa conjunta com o ministro da Economia Pedro Siza Vieira, Mário Centeno afirmou que se está a “construir uma moratória de capital e de juros, num trabalho que está a ser desenvolvido entre o Banco de Portugal e o sistema bancário, em particular com a APB [Associação Portuguesa de Bancos]”.
“Toda a legislação que seja necessária para concretizar esta moratória será aprovada até ao final do mês e avançará de forma efetiva para, mais uma vez, garantir que neste período temporário, num choque que não tem características de flutuação cíclica habitual, todos estamos a dar o nosso contributo”, afirmou Mário Centeno.
O ministro das Finanças, por sua vez, destacou, ainda relativamente ao sistema bancário, medidas como a “eliminação das taxas mínimas cobradas aos comerciantes nos pagamentos em POS”.
“Eliminando-se este custo fixo todos os comerciantes podem começar a aceitar pagamentos por meios eletrónicos sem estabelecer valor mínimo. É desejável que o pagamento em numerário se reduza ao mínimo indispensável nesta fase”, acrescentou o ministro.
Será ainda aumentado o valor limite que é possível pagar por via contacless (ou seja, sem ser preciso introduzir código quando paga por multibanco) para 30 euros.
No que diz respeito a impostos, o ministro garantiu uma “flexibilização” nos pagamento de impostos e das contribuições sociais no segundo trimestre de 2020.
— IRC: adiamento do pagamento especial por conta de 31 de março para 30 de junho; prorrogação da entrega do modelo 22 para 31 de julho deste ano; prorrogação do primeiro pagamento por conta e o primeiro pagamento adicional por conta de 31 de julho para 31 de agosto.
— IVA e retenções na fonte de IRS e IRC: na data de vencimento da obrigação de pagamento a mesma pode ser cumprida de uma das seguintes formas: 1) pagamento nos termos habituais; 2) pagamento fracionado em três prestações mensais sem juros; 3) pagamento em fracionais em seis prestações mensais, sendo aplicados apenas juros de mora às ultimas três. Para qualquer uma destas situações não será necessário pessoas ou empresas prestarem garantias. Em causa está o IVA nos regimes mensal e trimestral e a entrega ao Estado das retenções na fonte de IRS e IRC. A medida é aplicável a trabalhadores independentes e empresas com volume de negócios até 10 milhões de euros em 2018 ou com início de atividade a partir de 1 de janeiro de 2019. As restantes empresas ou trabalhadores independentes podem requerer a mesma flexibilização nos pagamentos destas obrigações fiscais no segundo trimestre quando tenham verificado uma diminuição do volume de negócios de pelo menos 20% na média dos três meses anteriores à obrigação, face ao período homólogo do ano anterior.
— Contribuições sociais: As contribuições sociais devidas entre março e maio de 2020 são reduzidas a 1/3 nos meses de março, abril e maio. O valor remanescente relativo aos meses de abril, maio e junho é liquidado a partir do terceiro trimestre de 2020, em termos similares ao pagamento fracionado através de prestações adotado para os impostos a pagar no segundo trimestre. Todavia, isto não impede que as empresas, querendo, possam proceder ao pagamento imediato nos termos habituais. A medida aplica-se a empresas com até 50 postos de trabalho de forma imediata. Já as empresas com até 250 postos de trabalho podem aceder a este mecanismo de redução e fracionamento das contribuições sociais do segundo trimestre de 2020 caso tenham verificado uma quebra do volume de negócios superior ou igual a 20%.
— Execuções fiscais: O governo decidiu ainda suspender por três meses os processos de execução na área fiscal e contributiva que estejam em curso ou que venham a ser instaurados pelas respetivas autoridades.
“Estamos prontos para tomar medidas adicionais”, disse ainda Centeno.
“As medidas agora conhecidas têm um valor de aumento da liquidez imediata das empresas e dos trabalhadores independentes em Portugal de aproximadamente 9200 milhões de euros. 5200 milhões de euros na área fiscal; 3000 milhões de euros nas garantias e mil milhões de euros na área contributiva”, disse Centeno.
Face ao segundo trimestre de 2020 representa um “esforço de aumento da liquidez de 17% do PIB trimestral. É um esforço de partilha neste período de dificuldade”.
“Temos os trabalhadores da saúde na primeira linha de ação na contenção da doença, eles foram os primeiro heróis que saudámos, mas todos aqueles que mantém a economia a funcionar são igualmente heróis nesta batalha”, destacou Centeno.
“Este é um desafio intenso, temporário e que vamos ultrapassar”, reiterou.
Já no período de perguntas e respostas, o ministro das Finanças, Mário Centeno, abriu hoje a porta a um Orçamento do Estado retificativo durante 2020, de forma a acomodar as medidas previstas pelo Governo de apoio à economia anunciadas no âmbito do combate ao surto de Covid-19.
“Não estamos em tempos normais, não estamos em tempo de pôr em causa a execução destas medidas e de outras que venham a ser necessárias, e os orçamentos retificativos servem exatamente para isso”, disse.
No entanto, Centeno ressalvou que o atual Orçamento do Estado, quando entrar em vigor, “tem um conjunto de mecanismos de adaptação que vão ser utilizados”, e que quando esses mecanismos se esgotarem, “não há nenhuma questão que possa impedir” a apresentação de um orçamento retificativo.
Também nesta conferência de imprensa, Centeno salientou que “todos na Europa percebem exatamente a natureza desta crise, o seu caráter totalmente exógeno à vontade dos governos, a eventuais más políticas que tivessem sido seguidas. Não estamos a falar de crises estruturais”, disse em resposta a uma pergunta sobre se será necessário um plano com características semelhantes ao Marshall (adotado na Europa no final da II Guerra Mundial pelos Estados Unidos), adaptado à crise económica causada pelo Covid-19.
O também presidente do Eurogrupo – o grupo informal de ministros das Finanças da zona euro – referiu que nos anos em que tem trabalhado com instituições europeias “não tinha ainda observado” tanto “sentido de urgência, de responsabilidade, de partilha”.
“Estamos a responder a um desafio que coloca em causa aquilo que é o nosso contexto social, o nosso contexto civilizacional e a nossa forma de estar no mundo, em democracia. Não podemos soçobrar a este desafio”, asseverou Mário Centeno.
Anteriormente, o ministro das Finanças já tinha dito que a contenção já implementada devido ao novo coronavírus “está a levar a economia a tempos de guerra”, referindo que o momento exige “uma resposta sem precedentes”.
Também o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, se referiu aos planos posteriores à injeção de liquidez atualmente necessária às empresas, dizendo que “oportunamente” se terá de “considerar os estímulos ao crescimento, que quando a epidemia se dissipar, forem necessários para arrancar”.
“Seguramente estaremos articulados com os outros Estados-membros da União Europeia e as instituições europeias para responder à altura do desafio”, concluiu Pedro Siza Vieira.
Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) elevou na terça-feira o número de casos confirmados de infeção para 448, mais 117 do que na segunda-feira, dia em que se registou a primeira morte no país.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, convocou uma reunião do Conselho de Estado para hoje, para discutir a eventual decisão de decretar o estado de emergência.
Portugal está em estado de alerta desde sexta-feira, e o Governo colocou os meios de proteção civil e as forças e serviços de segurança em prontidão.
Entre as medidas para conter a pandemia, o Governo suspendeu as atividades letivas presenciais em todas as escolas desde segunda-feira e impôs restrições em estabelecimentos comerciais e transportes, entre outras.
O Governo também anunciou o controlo de fronteiras terrestres com Espanha, passando a existir nove pontos de passagem e exclusivamente destinados para transporte de mercadorias e trabalhadores que tenham de se deslocar por razões profissionais.
Fonte: 24.sapo.pt, 18/3/2020