Com o surto de coronavírus a avançar, inclusive em Portugal, que registou quatro casos até ao fim da tarde desta terça-feira, o cenário é de exceção e as medidas que o enquadram também. Como se decide quem tem de ser colocado em isolamento? E quem paga aos trabalhadores em quarentena? Em que moldes? Este guia de perguntas e respostas ajuda a esclarecer as principais dúvidas.
As empresas estão a reforçar as medidas de contenção do surto do Covid-19. Com o cenário de isolamento profilático cada vez mais em prática, as dúvidas dos trabalhadores em relação ao regime de proteção social que os enquadra são cada vez maiores. Eis algumas das principais dúvidas e respetivas respostas.
QUEM PODE SER COLOCADO EM REGIME DE ISOLAMENTO PROFILÁTICO?
Trabalhadores que regressem, coabitem ou tenham tido contacto com pessoas que regressaram dos países referenciados como assumindo risco de Categoria 1 pela Direção-Geral de Saúde e que manifestem sintomas de possível contágio, como febre, tosse ou eventual dificuldade respiratória.
QUE OUTRAS MEDIDAS PODEM SER ADOTADAS PELAS EMPRESAS?
No âmbito do plano de contingência do surto Covid-19, além do isolamento profilático, as empresas podem adotar um conjunto de outras medidas de prevenção, entre as quais se incluem: a opção pelo teletrabalho (nos casos em que ele é possível); a suspensão de eventos ou iniciativas públicas, realizadas quer em locais fechados, quer em locais abertos ao público; a suspensão de ações de formação presencial, optando por soluções de formação à distância; a suspensão de processos de recrutamento e seleção que impliquem a presença dos candidatos; a suspensão do funcionamento de bares, cantinas, refeitórios e outros espaços de utilização comum; a suspensão de viagens de trabalho para países ou regiões infetadas; a exigência de comunicação à empresa de viagens particulares realizadas pelos trabalhadores para regiões afetadas ou até a redução ou suspensão total de serviços de atendimento ao público.
COMO SÃO PAGOS OS DIAS DE AUSÊNCIA DO TRABALHADOR?
Aos trabalhadores que sejam colocados em regime de isolamento profilático por risco de contágio com Covid-19 será aplicado um regime extraordinário de apoio, equiparado ao utilizado em situações de risco de contágio de tuberculose. A sua remuneração será paga a 100% durante o período de isolamento profilático (em regra 14 dias), apenas e só.
A partir daí, o regime de baixa é o normalmente aplicado em situações de doença. O Governo publicou esta semana dois despachos – o Despacho n.º 2836-A/2020 e o Despacho n.º2875-A/2029 – que enquadram as situações em que trabalhadores do Estado e do sector privado tenham de se ausentar do seu posto de trabalho “não por uma situação de doença, mas por uma situação de quarentena”.
Contudo, independentemente da exposição efetiva a risco de contágio ou da existência ou não de sintomas da doença, as empresas podem optar por colocar os profissionais a trabalhar a partir de casa, para minimizar o risco de contágio. Nesses casos, em que não exista orientação clínica específica para isolamento e que este decorra de uma política interna da empresa, cabe a esta assegurar a remuneração dos trabalhadores nos moldes habituais.
A BAIXA POR ISOLAMENTO PROFILÁTICO É IGUAL PARA OS TRABALHADORES DO ESTADO E DO SECTOR PRIVADO?
Sim. O Governo já veio garantir que o isolamento profilático devido ao coronavírus será pago a 100%, desde o primeiro dia, tanto no caso dos trabalhadores do Estado como do sector privado. Ressalva-se, contudo, que a remuneração a 100% apenas vigora durante o isolamento profilático (habitualmente de 14 dias, mas que pode ser superior em caso de necessidade) e não em casos de baixa efetiva por doença. Nestes casos, quando se confirme contágio, será aplicado o regime específico em vigor: 55% da remuneração de referência para baixas até 30 dias, 60% para baixas entre 31 e 90 dias, 70% para baixas entre 91 e 365 dias e 75% da remuneração de referência para baixas com duração superior a um ano.
HÁ UM REGIME DIFERENTE PARA PROFISSIONAIS CUJA FUNÇÃO POSSA SER ASSEGURADA EM REGIME DE TELETRABALHO?
Os trabalhadores que possam continuar a exercer as suas funções habituais remotamente (teletrabalho) não terão direito à “baixa por isolamento”, já que se mantêm ativos. Continuarão a receber o seu salário, mas poder-lhe-à ser retirado o valor relativo ao subsídio de alimentação. A decisão dependerá exclusivamente da empresa.
Uma opção que a CGTP já veio contestar, considerando que “os trabalhadores, tanto do sector privado como do sector público que, por razões de saúde pública, venham eventualmente a encontrar-se em situação de impedimento para o trabalho, por terem sido colocados em isolamento para evitar o perigo de contágio (situações de quarentena), não podem ser de nenhuma forma prejudicados nos seus direitos, nem sofrer qualquer tipo de redução na sua retribuição e subsídios, sendo esse período considerado como se houvesse prestação efetiva de trabalho”.
Na verdade, o subsídio de alimentação não é o único que pode estar em causa em situações de teletrabalho. Gonçalo Delicado, advogado da Abreu Advogados, confirma que “o subsídio de alimentação não é considerado parte da retribuição, visa sim compensar o trabalhador por despesas inerentes à alimentação quando está a trabalhar. Estando em casa, não há lugar a essa compensação”. Em linha com esta medida estão também outros tipos de subsídios, como o de transporte ou até de turno, que podem deixar de fazer sentido numa situação de teletrabalho.
O REGIME DE PROTEÇÃO SOCIAL É O MESMO PARA PROFISSIONAIS QUE TENHAM DE SE AUSENTAR PARA PRESTAR ASSISTÊNCIA A FILHOS, NETOS OU OUTROS ELEMENTOS DO AGREGADO FAMILIAR EM ISOLAMENTO PROFILÁTICO?
Não. Nesses casos é aplicado o regime previsto na lei para esses efeitos, a vulgarmente conhecida baixa por assistência à família. Recorde-se que com a aprovação do Orçamento de Estado para 2020, as baixas por assistência a filhos passam de 65% para 100%, podendo os pais dar 30 faltas anuais por cada filho, enteado ou filho adotado menor de 12 anos. Já no caso da assistência a netos, quando os pais não podem comprovadamente assegurar o cuidado, a compensação mantém-se nos 65% da remuneração. A prestação de cuidados a outros elementos do agregado familiar (pai, mãe, irmãos ou marido) não prevê qualquer subsídio. No Estado, as faltas por assistência a filhos são habitualmente pagas a 80%.
TODAS AS EMPRESAS SÃO OBRIGADAS A DEFINIR UM PLANO DE CONTINGÊNCIA E COMUNICÁ-LO AOS TRABALHADORES?
No caso do empregador Estado, o Governo definiu que a existência de um plano de contingência é obrigatória e que as entidades que não o tenham elaborado deverão fazê-lo no prazo de cinco dias úteis contados a partir de 2 de março, data da publicação da portaria que regula o regime excecional de medidas de contenção ao Covid-19 no Estado.
O plano deverá estar em linha com as orientações definidas pela Direção-geral da Saúde e deverá ser remetida uma cópia à Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP). Nele devem constar os procedimentos alternativos que permitam garantir o normal funcionamento de cada serviço/estabelecimento, que sejam mais adequados à respetiva natureza, atribuições e caracterização dos postos de trabalho, privilegiando o recurso ao teletrabalho sempre que ele seja possível.
No caso das empresas do sector privado, não há indicações específicas sobre a obrigatoriedade de elaboração de planos de contingência.
COMO DEVEM PROCEDER AS EMPRESAS PARA ACIONAR O REGIME DE PROTEÇÃO SOCIAL AO TRABALHADOR EM SITUAÇÃO DE ISOLAMENTO PROFILÁTICO?
Não basta dar indicação ao trabalhador de que ele terá de ficar em casa. A condição de isolamento profilático decorrente de risco de contágio terá sempre de ser validada, quer para trabalhadores do Estado quer do sector privado, pelas autoridades de saúde. Ou seja, por declaração médica.
Para o efeito, no Estado, é utilizado um formulário próprio — Certificado de Isolamento Profilático – Identificação de trabalhadores/alunos em situação de isolamento —, que substitui o documento habitual de incapacidade para o trabalho e que deverá ser remetido pelos serviços de saúde competentes à secretaria-geral da área governativa que agrega o trabalhador.
Nas empresas do sector privado é utilizado um modelo semelhante, a Certificação para efeitos do artigo 5º do decreto-Lei n.º 82/2009, de 2 de abril – identificação de trabalhadores e alunos. Este formulário substitui o documento justificativo da ausência ao trabalho e deve ser remetido eletronicamente pelos serviços de saúde competentes aos serviços de Segurança Social no prazo máximo de cinco dias após a sua emissão. O documento deve instruir, quando aplicável, os requerimentos do subsídio para assistência a filho e subsídio de assistência a neto.
QUANDO ENTRA EM VIGOR O REGIME DE BAIXA POR ISOLAMENTO PROFILÁTICO?
No Estado, a medida está em vigor desde esta segunda-feira, 2 de março, e no sector privado tem efeito prático a partir de 3 de março, data da publicação de ambos os despachos.
[ARTIGO INICIALMENTE PUBLICADO NO EXPRESSO DIÁRIO DE 3 DE MARÇO E ATUALIZADO COM AS NORMAS RELATIVAS AOS TRABALHADORES DO SECTOR PRIVADO, ENTRETANTO PUBLICADAS EM DESPACHO]
Fonte: Expresso